A Solidão de um Longo

A corrida tem o poder de nos transformar. Os primeiros 5k (que completei em maio/13 e contei AQUI), depois a satisfação de superar os 10k (que eu chamei de "nível dois") e o sentimento de domínio sobre o próprio corpo que sentimos ao concluir a primeira meia-maratona, os 21.097 metros que é, provavelmente, a distância preferida da maioria dos corredores de rua com certa experiência em provas no Brasil.

Mas nada disso se compara ao treinamento para a Maratona. Sim, eu disse treinamento, vejam que nem estou falando da prova em si, a lendária odisseia de Fidípedes.

Diz a lenda que ele morreu após concluir o feito.
Quem mandou não treinar direito? :P

O treinamento para a respeitada distância de 42.195 metros exige muita disciplina. E, entre intervalados, rodagens e outros tipos de treinos também comuns na preparação para distâncias menores, estão aqueles que vão mexer mais com você: os longos.
A primeira coisa que costuma vir à mente é justamente a parte física, o esforço para suportar correr 25, 30, 35 quilômetros. Que no dia da prova serão 42.
Mas uma corrida de longa distância costuma ser muito mais mente do que corpo. Desde que você esteja treinando direito, fazendo uma carga adequada de treinos semanais, você irá correr seus longos e aumentar a distância de forma gradual sem que as pernas te derrubem. Mas a sua cabeça, essa sim pode te derrubar.

Você já tentou esvaziar sua mente e não fazer nada durante horas? Não é uma tarefa fácil, e poucas pessoas já tiveram essa experiência. Imagina quanta coisa passa na cabeça de alguém que está correndo durante duas, três, quatro horas? É preciso controlar os pensamentos, porque se deixarmos que eles tenham vontade própria, um deles pode resolver tomar a frente: Chega, você não aguenta mais, é hora de parar.

O treino longo é uma corrida que se faz, em geral, sozinho. Diferentemente das rodagens, em que se pode adequar o ritmo ao de algum amigo e assim compartilhar uma corridinha juntos, nesse treino você precisa seguir o seu ritmo e se concentrar, o que dificulta a parceria. Além disso, por se tratar de um treino de longa quilometragem e duração, os corredores costumam escolher lugares diferentes dos habituais – afinal, correr 30 quilômetros naquela pista de atletismo de 400 metros a que você está acostumado, seria uma tarefa bem complicada, não é mesmo? Como eu disse, as pernas são as mesmas, o psicológico é que faz a diferença.

Por isso, o treino longo pra mim começa com a escolha do local, de preferência longe do asfalto e de lugares com muitas chances de interrupção. E, como ficarei horas correndo, precisa começar cedo. Então é quase uma certeza que a solidão fará parte do treino. Mas, depois de um tempo, essa solidão passa a ser aliada.

Foi o que senti, por exemplo, no último domingo correndo no Parque Ecológico do Tietê, num longo de 35 Km que começou por volta das 7:50 da manhã com 16º de temperatura.

À medida que eu ia avançando nos quilômetros, o relógio apitava com mais frequência, ou melhor, ele continuava apitando Km a Km mas o espaço entre um e outro era como se não tivesse existido pra mim, como se tivessem se passado apenas alguns metros. Mente desligada, pelo menos para o mundo exterior. Eu já não estava correndo no Ecológico: eu era o Ecológico, eu era aquela terra, aquelas árvores, aqueles sons de pássaros e outros animais. Num determinado momento do treino, eu não pensava mais em mim como alguém que iria almoçar mais tarde, que tem contas pra pagar, que trabalha... a integração com a corrida e o ambiente era total.

Acredite, a corrida longa é um lance mais espiritual que físico. Quem busca o crescimento moral através da espiritualidade sabe que o auto-conhecimento é um poderoso aliado; as corridas longas podem auxiliar nesse auto-conhecimento à medida que te leva a olhar mais pra dentro de si, durante as horas em que sua atenção está focada numa única ação cíclica e quase automática: correr.

Foi o meu terceiro longo acima de 30k nessa preparação para a Maratona do Rio. Foi o meu melhor longo até agora, onde terminei cansado como sempre mas mantendo o ritmo, sem me arrastar implorando pra que terminasse logo.

Algo mudou em mim. Até poucos dias atrás, eu sentia que o dia da corrida está se aproximando – e realmente está, afinal faltam 5 semanas. Mas hoje, percebo que a Maratona já começou: ela é todo esse treinamento que se iniciou no dia 01/03/15 após eu cruzar a linha de chegada da Meia Internacional de SP e decretar que, a partir dali, começava minha planilha para os 42k; é essa dor incômoda que às vezes aparece nos joelhos após um treino mais intenso; é o macarrão com purê de batata que eu como no sábado, pensando em aumentar o nível de glicogênio no organismo.

Apaixone-se pelo processo e os resultados virão. Ou, como diria Fábio Namiuti, melhor que o caminho é o caminhar.

Anima Sana In Corpore Sano, ou, traduzido do latim, mente sã em corpo são, já diz a célebre frase transformada em marca por uma famosa empresa do ramo esportivo.

Está tudo na mente, ou no espírito. O físico é só o acessório. A corrida, principalmente a de longa distância, é feita com a cabeça. O corpo a gente treina pra não atrapalhar na hora.

 Treinando para a primeira maratona